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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

8 – O Bicho Papão


Ana Clara não se sente bem, desde antes o acontecimento da Mula e da morte do Padre Júnior. Sua relação familiar não é das melhores comparado com a família de seus amigos. Seu padrasto chega sempre bêbado em casa e, sua mãe briga com ela apenas por existir. Sente que não foi uma gravidez desejada. Devido as agressões físicas e verbais entre seu padrasto e sua mãe, aprendera a falar palavrões muito cedo. Maltratava outras crianças na escola, principalmente os meninos e, se tornara uma garota amarga. Não ficou pior, por conta da insistência de Pedrinho na amizade com ela. O único garoto que a ajudou no momento que ela mais precisava, assumindo a culpa por uma coisa que não fez, só para que ela não fosse advertida na pequena escola, o que evitaria também uma surra de seu padrasto.  
O ato de Pedrinho, ganhou sua admiração. Ninguém nunca havia se importado com ela até então. Ficou confusa na relação entre eles e, decidiu não mais bater em Pedrinho. Adrian, Bernardo e Enzo eram amigos íntimos de Pedro, ela não conversava muito com eles. Há poucos meses Ana Clara se limita, conversa pouco, anda mais quieta e não apronta mais travessuras, ganhou olheiras profundas, não dorme direito e come pouco, desde seu grito que acordara toda a cidade. Não sente confiança em ninguém para contar seus mais profundos segredos. 
Alguns meses antes da morte de Padre Júnior, Ana Clara preparava mais uma de suas travessuras, daria um susto no dono do Mercadinho o Senhor Valdemar. Sabia que ele tinha medo de aranhas. Ela juntou o um monte de aranhas grandes e peludas, colocando-as em grandes vidros com intuito de deixar exposto em algumas prateleiras de seu pequeno mercado.  
Seu plano não foi concluído, seus potes com as aranhas haviam desaparecido do esconderijo, um tijolo solto embaixo do seu guarda-roupa. Ela não entendeu o tal sumiço, procurou em todos os cantos do seu quarto, depois nos quatro cantos da casa e em seguida nos cantos de Mistanásia, nada foi encontrado. Seu padrasto estava no Bar do Zé, quando a viu passar em volta do chafariz no centro da cidade, ordenou que ela fosse para casa, pois estava próximo de anoitecer.  
Contrariada, dirigiu-se para o quarto. Tirou a roupa, tomou um banho, vestiu seu pijama e deitou-se ainda pensativa. Percebeu que seu padrasto passou por seu quarto, abriu a porta e fechou-a em seguida, sem barulho. Ela virou-se para a porta, não havia mais ninguém. Escutou-o discutir com sua mãe. Logo dormiu. No meio da noite escuta, como um sussurro melódico, numa voz fina e quase hipnótica, uma canção de ninar: 
“Boi, boi, boi. 
Boi da cara preta,  
Pega esta menina que tem medo de careta!” 

Com olhos arregalados, e respiração ofegante, Ana Clara sente seu coração apertar. O quarto está iluminado apenas pela luz noturna que invade sua janela, não há lua esta noite. A porta do guarda-roupas abre lentamente, num grunhido de madeira irritante. Imaginando ser o início de um pesadelo, ela instintivamente se embrulha toda. Força os olhos fechados e tenta dormir de novo. A canção volta a lhe assustar: 
“Boi, boi, boi.  Boi da cara preta...” 
Ana Clara grita apavorada, assustando toda a vizinhança. Sua mãe, pela primeira vez acalmou-a com um abraço, e dizendo ser apenas um pesadelo com o Bicho Papão.  
No dia seguinte todos a encaram na vila estranhamente, não comentam sobre o que aconteceu. E desde então, ninguém soube do paradeiro de seu padrasto.

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